quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A pipa na socialização das crianças...

As pipas tem um papel muito importante na socialização de crianças, um exemplo disso é o texto abaixo onde policiais tiveram a idéia de soltar pipas com as crianças para conseguir a confiança da comunidade na Cidade de Deus.



A cidade das pipas

Texto: Analder Lopes
Fotos: Ricardo França
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Policial ensina crianças da Cidade de Deus a soltar pipa.


Um brinquedo de criança feito com papel fino e gravetos de bambu usado nas operações da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Cidade de Deus vem transformando a relação da comunidade com os policiais. A estratégia das pipas – uma ideia dos PMs Snaity, Flávio, Mateus, Marlon, Jonatan, Alonso e Martins – tem como objetivo ‘quebrar o gelo’ e promover a integração com os moradores. Nas aulas de polícia comunitária, os policiais aprendem a utilizar formas de buscar a aproximação com a população da comunidade onde servem. Em alguns casos, como na Cidade de Deus, onde a desconfiança dos habitantes é uma barreira a ser vencida, a criatividade faz a diferença. As mudanças começaram no dia 16 de fevereiro, quando foi inaugurada a UPP na comunidade.
A ideia partiu do soldado Snaity, que buscava uma solução para conquistar a confiança dos moradores, ainda reativos à presença ostensiva da PM. Ele percebeu que as crianças gostavam de pipa e não pensou duas vezes: reuniu os amigos policiais e pediu que cada um contribuísse com uma pequena doação para comprarem pipas para a garotada. Quando a viatura parou na Praça da Fé – que era uma das áreas mais violentas do lugar – e os policiais desceram com pipas nas mãos, ninguém entendeu nada. No momento seguinte, após ganharem o presente, os meninos fizeram a festa e, de uma hora para outra, o céu foi tomado pelas pipas. A cena poderia ser considerada comum, talvez banal, se o local, não fosse uma das áreas mais perigosas do Rio, há até bem pouco tempo.
– Já distribuímos cerca de 250 pipas para a criançada da Cidade de Deus – conta Snaity.


Quem viu o filme Cidade de Deus, do premiado cineasta Fernando Meirelles, vai estranhar e talvez nem acredite que neste mesmo local, historicamente dominado por traficantes, o encontro das pipas simbolize uma nova era. A iniciativa virou hábito e, agora, volta e meia a atitude se repete. E não para nas pipas.
– Outro dia nós organizamos uma corrida. Começava de um ponto ao outro da praça e o competidor que vencia ganhava um carretel de linha maior, além de uma pipa com rabiola e cabresto prontos. Outra vez nós trouxemos coletes de futebol para a praça e distribuímos para as crianças. Elas começaram a usar os coletes às 7h, quando chegamos. Fomos embora e os amigos que nos renderam contaram que, às 21h, ainda havia crianças andando pela praça com o colete. Eles ficaram brincando de golzinho e de linha de passe. – diz Snaity.
Em outra oportunidade, Snaity e seus companheiros de guarnição fizeram um rateio para comprar refrigerante, pão e queijo e criaram ‘a hora do lanche’. Por volta das 18h, arrumaram uma mesa na Praça da Fé, forraram com uma toalha e serviram à criançada.
– Outra vez, minha namorada fez cachorro-quente e nós trouxemos para cá. Quando está muito calor, compramos sacolés e damos para a garotada também. – afirma o soldado.


Soldados são parceiros de brincadeiras


Os soldados Alonso, Martins, Pavioti, Snaity, Sfield e André viraram amigos das crianças da localidade. Hoje, eles são os “trutas” (gíria usada pelos pipeiros ao se referirem aos parceiros de brincadeira), como definiu o garoto Marlon Santos. Os policiais trabalham em sistema de revezamento durante o período de 12 horas dia sim, dia não. Essa equipe já está trabalhando na Praça da Sé há oito meses. Os soldados Manoel e Paixão fazem parte de outra equipe que também trabalha baseada no local. Eles chegaram há pouco tempo na localidade, mas também já estão se enturmando com a garotada.
A Praça da Fé era um território dominado pelo tráfico, que transformou o local em uma das maiores bocas-de-fumo da Cidade de Deus. Equipes de som colocavam músicas altas no ambiente e havia bares que funcionavam irregularmente no local. O exibicionismo de drogas e armas era constante. Por isso, as crianças da localidade não saíam de casa para brincar, pois muitos pais queriam evitar que elas presenciassem aqueles tipos de cenas. Restavam às crianças ficar presas dentro de casa, se limitando a ter a televisão como única distração. Isso quando tinham o aparelho em casa.
A realidade da Cidade de Deus se transformou com a chegada da polícia comunitária. Agora é comum encontrar crianças na rua durante todo o dia.
– Acho que elas querem aproveitar o tempo perdido. As crianças ficam brincando e não querem entrar para tomar banho, não querem ir almoçar. Se deixar, ficam na praça o dia todo se divertindo. Elas sabem o nome de todos nós, que trabalhamos aqui. Quando estamos chegando na viatura, elas nos vêem e já começam a gritar: “ei, Snaity”, “oi, sapo” (apelido do soldado Martins). Tem um policial que tem o nome diferente, o Boisfield, e eles o chamam até pelo nome. Cumprimentam o Alonso, enfim, brincam com todos nós. E nós colocamos apelidos neles, tudo numa relação de proximidade muito saudável. – orgulha-se Snaity.
O soldado Alonso afirma que ficava chocado com as brincadeiras que eram comuns às crianças do bairro e que sente feliz ao perceber que os heróis delas estão mudando.
– Quando nós chegamos à comunidade, observamos que as crianças ficavam brincando com pedaços de pau, pedras, usavam panos para cobrir o rosto, ficavam dizendo que ia espancar, matar e virar bandido quando crescer. Era o que eles tinham como referência aqui. Mas fazendo um trabalho diferenciado para as crianças, com a interatividade com elas, a gente conseguiu mudar esse pensamento. Hoje, vemos que as brincadeiras são diferentes. Quando perguntamos às crianças o que elas querem ser quando crescer, a maioria já diz querer ser polícia e bombeiro. – declara Alonso.
– Nós adotamos essas crianças como se fossem nossos filhos. Ao pesquisar o histórico familiar de cada criança a gente percebe como a vida deles é complicada. Muitas estão com os pais presos, são criadas pelas avós e outros tiveram os pais assassinados. Sei que nossa responsabilidade é grande, mas queremos ser exemplo sim, queremos que elas nos tenham como referência. Isso nos estimula a ser melhores policiais e buscar a cada dia maior dedicação e eficiência na nossa função – conclui o soldado Martins.











Via UPP Repórter

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